Self Portrait

Self Portrait

Saturday 14 December 2013

Sonambular 

Usava dezassete anéis nos dedos. Tal como as árvores, saberíamos a sua idade se contássemos cada um dos seus círculos tão cuidadosamente delineados. 
Não olhava ninguém nos olhos, não precisava. Invadia mentes. A perturbação que era capaz de causar agradava-lhe, e alimentava-se dela avidamente. Gostava realmente de sentir a tontura da dor, as almas inocentes a quebrarem a sua essência, o corroer das entranhas.
Eram atos preversos, mas sinceros. Sei-o porque a vi agir por instinto - a rapariga dos dezassete anéis. Não temos culpa do caminho que seguem os nossos instintos. Podemos tentar ir contra eles, é certo, isto se estivermos conscientes. Mas ela não - a minha musa - ela dormia. Nem todos os que vagueiam de olhos abertos estão acordados.
Sigo-a por caminhos cinzentos até nos encontrarmos sozinhos. Não tinha pressa. Não sente a minha presença atrás dela, nas sombras, nem me invade a alma. Conheço o segredo dela, contaram-me os ventos. Não faria sentido apoderar-se da minha mente, não encontraria mais que o seu reflexo - os meus pensamentos são o seu espelho, e respiro-a nos contratempos. De certa forma também me possui. Não saberia viver sem a sua presença. Estou obcecado, sei o segredo e continuo sem medo. E não é coragem. Não sei o que é.
Sem mexer um músculo, aguardo no escuro. O sol põe-se e ela começa, lentamente, a acordar. Sei o que se segue. Avança, calmamente, em direção à floresta. As pernas já não são pernas e do cabelo caem folhas e crescem ramos. Avança. Mistura-se nos tons quentes. Avança, avança... e pára, por fim, voltando a adormecer. A transformação termina. Minha musa, de raízes, nasce árvore. E eu encosto-me ao tronco, embalado pela brisa.

No comments:

Post a Comment

I'm empty, next to a body that doesn't move. Fill me with words. I love you.